Histórias para serem lidas, contadas e imaginadas... Sou escritora de mim mesma, mãe de 3 lindos filhos sem ser galinha choca. Acredito na educação, porque em cada história contada ou cantada, renovo-me de fé, já que a palavra escrita encanta, emociona, diverte e faz da alma da gente um mundo mais vibrante e cheio de inventividades. O mundo real vira coincidência do mundo fantástico... em que magia vira realidade! Shi...
sábado, 27 de junho de 2009
quarta-feira, 3 de junho de 2009
O gato e a barata
Millôr Fernandes
A baratinha velha subiu pelo pé do copo que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, do alto do copo.
_ Gatinho, meu gatinho - pediu ela - me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair daqui eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.
_ Você deixa mesmo eu engolir você? - disse o gato.
_ Me saaalva! - implorou a baratinha. _ Eu prometo.
O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.
_ Que é isso? - perguntou o gato. _ Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixaria eu comer você inteira.
_ Ah, ah, ah - riu então a barata, sem poder se conter. _ E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral: Às vezes a autodepreciação nos livra do pelotão.
terça-feira, 2 de junho de 2009
O Urso da Meia-Lua
Era uma vez uma jovem mulher que vivia numa perfumada floresta de pinheiros. Seu marido esteve fora, lutando na guerra, muitos anos. Quando ele afinal foi libertado, voltou para casa com o pior dos humores. Ele recusou a entrar na casa, pois havia se acostumado a dormir nas pedras. Ele só queria ficar só e permanecia na floresta tanto de dia quanto à noite.
A jovem esposa ficou tão feliz quando soube que o marido estava afinal voltando para casa! Ela cozinhou e fez compras, e fez compras e cozinhou. Preparou pratos e mais pratos, tigelas e mais tigelas, de delicioso queijo branco de soja, três tipos de peixe, três tipos de algas, arroz salpicado com pimenta vermelha e belos camarões frios, grandes e alaranjados.
Com um tímido sorriso, ela levou os alimentos até o bosque e se ajoelhou ao lado do marido esgotado pela guerra, oferecendo-lhe a bela refeição que havia preparado. No entanto, ele se pôs de pé e chutou as travessas de modo que o queijo de soja caiu, os peixes saltaram no ar, as algas e o arroz caíram na terra e os grandes camarões alaranjados rolaram pelo caminho abaixo.
- Deixe-me em paz! - rugiu ele, voltando-lhe as costas. Ele estava tão furioso que ela sentiu medo. E afinal, em desespero, ela foi procurar a gruta da curandeira que morava fora da aldeia.
- Meu marido foi ferido gravemente na guerra - disse a esposa. - Ele sofre de uma raiva permanente e não come nada. Só quer ficar ao ar livre e não se dispõe a voltar a viver comigo. A senhora não pode me dar uma porção que faça com que ele volte a ser carinhoso e gentil?
- Isso eu posso fazer por você - asseverou-lhe a curandeira. - Mas vou precisar de um ingrediente especial. Infelizmente, acabou todo o meu pêlo de urso de meia-lua. Por isso, você deve subir a montanha, encontrar o urso negro e me trazer um único pêlo da meia-lua que ele tem no pescoço. Depois, eu lhe darei o que você precisa, e a vida voltará a ser boa.
Algumas mulheres teriam se sentindo desencorajadas com essa tarefa. Algumas teriam considerado que todo esse esforço era impossível. Mas não ela, pois ela era uma mulher que amava.
- Ah! Como lhe sou grata! É tão bom saber que existe uma solução.
E assim ela se preparou para a viagem e na manhã seguinte partiu para a montanha.
- Arigato zaishö - dizia ela, o que é uma forma de cumprimentar a montanha e lhe dizer "obrigada por me deixar escalar em seu corpo".
Ela se embrenhou nos contrafortes, onde havia rochas semelhantes a grandes pães de fôrma. Subiu até um platô coberto de mata. As árvores tinham galhos longos e caídos e folhas que se pareciam com estrelas.
- Arigato zaishö - entoou. Era uma forma de agradecer as árvores por erguerem seus cabelos para que pudesse passar por baixo. E assim ela conseguiu atravessar a floresta e começou a subir de novo.
Agora estava mais difícil. A montanha tinha flores espinhosas que se prendiam na barra do seu quimono e rochas que arranhavam suas mãos delicadas. Estranhos pássaros escuros saíram voando na sua direção no crepúsculo, deixando-a assustada. Ela sabia que eles eram os muen-botoke, espíritos dos mortos que não tinham parentes. Ela entoou orações para eles.
- Vou ser sua parenta. Vou dar-lhe descanso.
Ela prosseguia subindo, pois era uma mulher que amava. Subiu até ver neve no pico da montanha. Logo seus pés estavam frios e molhados, e ela continuava a escalar, pois era uma mulher que amava. Começou uma tempestade, e a neve penetrava direto nos seus olhos e fundo nas orelhas. Mesmo sem ver, ela continuava a subir.
- Arigato zaishö - contou a mulher quando a nevasca parou, para agradecer aos ventos por terem parado de cegá-la.
Ela procurou abrigo numa caverna rasa e mal conseguiu lugar para seu corpo inteiro. Embora tivesse uma bolsa cheia de alimentos, ela não comeu, mas se cobriu com folhas e adormeceu. Pela manhã, o ar estava calmo e plantinhas verdes chegaram a atravessar a neve aqui e acolá.
- Ah - pensou ela.- Agora, ao urso da meia-lua.
Ela procurou o dia inteiro e quase ao anoitecer encontrou grossos cordões de bosta. E não precisou mais, pois um gigantesco urso negro passou pesadamente pela neve, deixando profundas marcas de patas e garras. O urso da meia-lua deu um rugido feroz e entrou na sua toca. A mulher enfiou a mão na trouxa e colocou numa tigela a comida que trouxera. Ela colocou a tigela do lado de fora da toca e voltou correndo para o esconderijo. O urso sentiu o cheiro da comida e saiu cambaleando da toca, rugindo tão alto que pequenas pedras se soltaram do lugar. O urso fez um círculo em volta da comida de uma certa distância, farejou o vento muitas vezes e depois comeu tudo de uma só vez. O enorme urso foi andando de ré e sumiu dentro da sua toca.
Na noite seguinte, a mulher agiu da mesma forma, servindo o alimento na tigela, mas dessa vez não voltou para seu esconderijo, recuando apenas metade do caminho. O urso sentiu o cheiro da comida, saiu pesadamente da toca, rugiu para abalar os céus e as estrelas, deu uma volta, farejou o ar com extremo cuidado, mas afinal engoliu a comida e voltou para a toca. Isso continuou por muitas noites até que uma noite escura a mulher sentiu ter coragem suficiente para esperar ainda mais perto da toca do urso.
Ela pôs a comida na tigela do lado de fora da toca e ficou esperando junto à abertura. Quando o urso sentiu o cheiro e saiu, ele viu não só a comida, mas um par de pequenos pés humanos. O urso virou a cabeça de lado e rugiu tão alto que fez os ossos do corpo da mulher zumbirem.
A mulher tremia, mas não recuava. O urso se ergueu nas patas traseiras, estalou as mandíbulas e rugiu tanto que a mulher pôde ver bem o vermelho e marrom da sua boca. Mesmo assim, ela não saiu correndo. O urso rugiu ainda mais e estendeu seus braços como se quisesse agarrá-la, com suas dez garras suspensas como dez facas sobre sua cabeça. A mulher tremia como uma folha ao vento, mas permaneceu onde estava.
- Por favor, meu querido urso - implorou ela. - Por favor, vim toda essa distância em busca de uma cura para meu marido. - O urso voltou as patas dianteiras para a terra fazendo voar a neve e olhou direto no rosto assustado da mulher. Por um instante, ela teve a impressão de ver cordilheiras inteiras, vales, rios e aldeias refletidos nos olhos vermelhíssimos do urso. Uma paz profunda caiu sobre ela, e seus tremores passaram.
- Por favor, urso querido, eu venho lhe trazendo alimento todas essas noites. Será que eu podia ficar com um dos pêlos da meia-lua do seu pescoço? - O urso parou e pensou, essa mulherzinha seria fácil devorar. No entanto, ele de repente se sentiu cheio de pena dela.
- É verdade - disse o urso da meia-lua, sem afastar as garras da sua cabeça. - Você foi boa para mim. Pode ficar com um dos meus pêlos. Mas arranque-o rápido, vá embora e volte para sua gente.
O urso ergueu o seu enorme focinho para que aparecesse a meia-lua de seu pescoço, e a mulher pôs uma das mãos no pescoço do urso, e com a outra segurou um único pêlo branco e lustroso. Rapidamente ela o arrancou. O urso recuou e gritava como se estivesse ferido. E esse dor assumiu a forma de bufos irritados.
- Ah, obrigada, urso da meia-lua, muitíssimo obrigada.- A mulher se inclinou em reverência e voltou a se inclinar. Mas o urso rosnou e avançou um passo. Ele rugiu para a mulher com palavras que não entendia e, no entanto, palavras que de algum modo havia conhecido toda sua vida. Ela se voltou e correu montanha abaixo com a maior velocidade possível. Ela passou correndo debaixo das árvores de folhas com formato de estrelas. E o tempo todo ela agradecia às árvores por erguerem os galhos para ela passar. Ela veio tropeçando pelas pedras que pareciam grandes pães de fôrma, sempre agradecendo à montanha por deixar que escalasse seu corpo.
Embora suas roupas estivessem esfarrapadas, seus cabelos desalinhados, seu rosto sujo, ela desceu a escada de pedra que levava até a aldeia, seguiu pela estrada de terra atravessando a cidade até o outro lado e entrou na cabana onde a curandeira estava sentada cuidando do fogo.
- Olhe! Olhe! Consegui, encontrei, conquistei, conquistei um pêlo do urso da meia-lua! - gritou a jovem mulher.
- Que bom - disse a curandeira com um sorriso. Ela examinou a mulher atentamente, pegou o pêlo de um branco puríssimo e o segurou perto da luz. Ela sopesou o longo pêlo com uma das mãos e o mediu com o dedo e exclamou: - É ! Este é um autêntico pêlo do urso da meia-lua. - De repente, porém, ela se voltou e lançou o pêlo no meio do fogo, onde ele estalou, pipocou e se consumiu numa bela chama laranja.
- Não - gritou a mulher. - O que o senhora fez?
- Fique calma. Está certo. Tudo está bem - disse a curandeira. - Você se lembra de cada passo que deu para escalar a montanha? Você se lembra de cada passo que deu para conquistar a confiança do urso da meia-lua? Você se lembra do que viu, do que ouviu e do que sentiu?
- Lembro - disse a mulher. - Lembro-me muito bem!
- Então, minha filha - disse a velha curandeira com um sorriso meigo -, volte, por favor, para casa com seus novos conhecimentos e proceda da mesma forma com seu marido.
Conto popular japonês
RATO
(Paulo Tatit e Edith Derdyk)
Todo rato tem rabo longo
Toda rato tem faro esperto
Todo rato curte escuro lambe restos
Todo rato deixa rastros
Todo rato trai e mente
Todo rato assusta a gente
Todo rato anda em bando
São os ratos, são os ratos
São os ratos bem malandros
Mas sempre tem um que é diferente
Tem sempre um que até surpreende a gente
Este rato que aqui se mostra
É um rato que a gente gosta
É um rato que em vez de catar
Lasquinhas de queijo e comer na rua
Prefere mil vezes um beijo
Um beijo brilhante da lua
- Lua minguante lua crescente
Declaro ser o seu mais lindo amante
Com você eu quero me casar
Fazer da noite escura o nosso altar
- Rato meu querido rato
Eu não sou assim de fino trato
Para selar este contrato
Minha luz é passageira
Fico sempre por um triz
Mesmo quando estou inteira
Vem a anuvem me cobrir
Ela sim, nuvem faceira
É que lhe fará feliz
- Nuvem redonda que cobre o luar
Declaro ser o seu mais lindo amante
Com você eu quero me casar
Fazer do céu imenso o nosso altar
- Rato meu querido rato
Eu não sou assim de fino trato
Para selar este contrato
Minha sombra é tão nublada
Fico sempre por um triz
Mesmo quando estou parada
Vem a brisa me diluir
Ela sim, brisa danada
É que lhe fará feliz
- Brisa macia que destrói a nuvem que cobre o luar
Declaro ser o seu mais lindo amante
Com você eu quero me casar
Fazer do vento o nosso altar
- Rato meu querido rato
Eu não sou assim de fino trato
Para selar este contrato
Mesmo quando eu sopro forte
Vem a parede me barrar
Só a parede de uma casa
Não deixa a brisa passar
Ela sim, dura parede
É que aprenderá a te amar
- Parede parada
Que barra a brisa, que destrói a nuvem que cobre o luar
Declaro ser o seu mais lindo amante
Com você eu quero me casar
Fazer da terra o nosso altar
- Rato meu querido rato
Eu não sou assim de fino trato
Para selar este contrato
Meus tijolos são de barro
Mas não é difícil me esburacar
Mesmo sendo bem segura
Vem a ratinha me cavocar
Só a ratinha bem dentuça
Saberá como te amar
- Ratinha dentuça
Que cavoca a parede, que barra a brisa que destrói a nuvem, que cobre o luar
Declaro ser o seu mais lindo amante
Com você eu quero me casar
Fazer da natureza o nosso altar
- Rato meu querido rato
Eu que sou assim de fino trato
Pra selar este contrato
O meu faro é tão certeiro
Com você vou ser feliz
Mesmo não sendo perfeita
Eu sou a rainha eleita
Fico aqui toda sem jeito
Esperando um grande queijo (ops!)
Esperando um grande beijo
Toda rata tem rabo longo
Toda rata tem faro esperto
Toda rata curte escuro lambe restos
Toda rata deixa rastros
Toda rata trai e mente
Toda rata assusta a gente
Toda rata anda em bando
São as ratas, são as ratas
São as ratas bem malandras
Chupa essa manga, doutora!
Mirelle Araújo
Creuza é doméstica, torcedora do Vila Nova Esporte Clube. Ela possui um dilema e ao procurar uma psicóloga, ao invés de resolvê-lo, acaba por adquirir outros.
É no divã de sua psicanalista Laila Gutierrez que Creuza chora suas mágoas. Mas, um belo dia, Creuza resolve abandonar o tratamento:
- Boa tarde, Cleuza. Fique à vontade.
- Doutora, meu nome é Creuza. É Creuza. Posso ficar sentada hoje? Num vou deitar não! Sabe o quê que é? É que eu tô muito nervosa. Tô. Tô muito nervosa. É que hoje eu vim pra falar pra senhora que é meu último dia de terapia. Num vou fazer esse trem mais não! Neim. É que a senhora com esse negócio de terapia vai colocando umas caraminholas na cabeça da gente e pra falar a verdade tá me dando é prejuízo. É! Prejuízo.
- Prejuízo, Cleuza? Fale mais sobre isso.
- Doutora, eu já disse que meu nome é Creuza, É Creuza. Prejuízo né! No quesito de... de... de sexo. Vou falar né. A senhora disse que é pra falar tudo que der na telha aqui. É isso mesmo. Eu tô tendo prejuízo de sexo. É que a senhora falou que era pra tirar os meninos do quarto, né? Que os meninos não pudiam durmir com a gente, que não pudia durmir todo mundo junto, que senão os meninos pudiam cabá vendo a gente coisá e que dava pobrema lá. Pois é. Hoje em dia, era só o mais pequeno que durmia com a gente: o Jonascleisson. Eu fiz o que a senhora mandou. Tirei o menino do quarto. Jeitinho que a senhora mandou. Cabou. Cabou a festa. Nunca mais furunfamo lá em casa.
- Como assim, Cleuza?
- Ô doutora, meu nome é Creuza, eu já disse. Creuza. Ué! Como assim? Antes quando o Jonascleisson durmia dentro do quarto, não atrapalhava em nada, parece que nossa gemeção até que ninava o menino. Agora? Depois que entuchei ele no quarto dos irmão, do jeitinho que a senhora mandou, parece que o menino tem um RADAR, que é só o Cledsclei pô o time em campo que o diabo do menino desata a chorar e começa a latumia. Aí a senhora já viu, né! Aí eu tô fora da partida. Ó, tá pra um mês que não tem jogo lá em casa. Cledsclei só chega tarde, né. E agora embirrou comigo por causa do Raj.
- Raj? Que Raj?
- Que Raj? O Raj, ué. O Raj. O homem lá das Índia. Vai me dizer que a senhora num vê novela? Aff! O Raj. Ele é o garanhão da novela lá nas Índia. Eu vejo todo santo dia, né! Cabei, que cabei sonhando com ele de noite e o Cledsclei que tem bosta do sono muito leve, disse que acordou comigo gemendo.
- Gemendo?
- É. Gemendo. Assim: aí, Raj! ui, Raj! faz, Raj! E embirrou comigo. Embirrou! Olha pra senhora vê, eu não tenho culpa, doutora. Eu não tenho culpa, não senhora! Taí. Isso é coisa que fica no inconsciente da gente, do jeitinho que a senhora me explicou. É ideia que a gente não manda. E toda vez que eu vejo essa novela, aparece esse homem lambendo uma aqui, encoxando outra ali, é boca aqui, mão acolá. E eu nessa farta, quem guenta?
- Entendo!
- E esse homem também não é de Deus não! Ah, não é não, senhora! Agora Cledsclei disse que mesmo que o menino deixá a gente furunfá, se eu quiser me fartá é pra eu procurá o Raj. Ó pocevê! Humm! Chupa essa manga, doutora! Chupa. Ó, eu num venho aqui mais não! Hoje foi meu último dia.
POESIA MINEIRA
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POESIA MINEIRA
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Os homens são complicados
IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA
As mulheres reservam para si mesmas o direito à complexidade, mas estão erradas. Homens também têm suscetibilidades, inseguranças e desconfortos
Almocei ontem com uma amiga que me deu uma aula de ignorância feminina sobre os homens. Coisa simples: o namoro dela acabou porque o rapaz deixou de transar direito. Faltava tesão, ou, pelo menos, faltava ereção.
Ali pelas tantas, drama instalado, o sujeito deu sua versão dos fatos: "Você é bonita demais, inteligente demais, e eu estou interessado demais. Enquanto era só uma transa eventual, não havia problema. Mas agora..."
Minha amiga despachou o rapaz, alegando conversa fiada. "Homem não tem dessas coisas", explicou, entre triste e impaciente, enquanto separava no prato a gordura da picanha. "Todo mundo sabe que homem é simples."
A atitude dela – que tem lá sua lógica – me fez lembrar a personagem Malena, de Almudena Grandes, sobre quem escrevi outro dia, nesta coluna. Malena resumia todas as disfunções e hesitações masculinas em uma única palavra: “mariconadas”. Bichices, em bom português.
Olho para a minha amiga, semi-oculta pelos óculos escuros, e percebo o óbvio: as mulheres reservam para si mesmas o monopólio da complexidade. Mulher sem tesão, OK. Homem sem tesão, esquisito. Mulher que não goza, OK. Homem que não goza, esquisito. Mulher paralisada entre o afeto e o desejo, OK. Homem afetado pelo mesmo dilema, esquisito.
Alguém decretou, faz tempo, que o gênero de Adão, quando se trata de sexo, é uma expressão matemática sem incógnita: diante do estímulo apropriado (um beijo na boca, a vista de um decote, uma conversa apimentada), espera-se que os machos da espécie se comportem de maneira previsível.
Eles deveriam avançar a um estágio mental dominado pelo cerebelo, no qual ocorreriam, nesta ordem, os fenômenos físicos da ereção, penetração e orgasmo. Tudo isso rapidamente. Preliminares, afinal, são perfunctórias, coisa de mulher. Já viu um filme sobre sexo de leões? É aquilo, com banda sonora. Leão não fala palavrão.
Claro: não é nada disso. Homens também têm suscetibilidades, inseguranças e desconfortos. Eventos aleatórios podem tirar um sujeito do roteiro biológico. Alguns desses eventos, como descobriu minha amiga, são de natureza sentimental: um homem intimidado pelas qualidades físicas ou sociais da amante (ou por seu afeto por ela) é um amante à beira do desastre.
Como se lida com isso? Vendas bilionárias de Viagra & Similares sugerem que os homens estão turbinando a si mesmos para evitar decepções. Mas não é isso que eles querem. Nem é isso que querem as mulheres. Elas se divertem imenso com as possibilidades do sexo anabolizado, mas ele não é a resposta para os problemas de uma relação duradoura.
As mulheres querem sentir-se desejadas. E amadas. E satisfeitas. Para isso, só há duas soluções de longo prazo: arrumar um sujeito que nunca falhe (só ouvi falar de dois, Ziraldo e Romário) ou entender que, no mundo da verdade, os homens são tão complexos quanto as mulheres. De um outro jeito, em outra direção, mas igualmente difíceis de prever e compreender. Ainda bem.
Confissão de cabloco
CUNFISSÃO DE CABÔCO
Seu doutô sou criminoso,
Sou criminoso de morte,
To aqui pra me entregá.
Vosmicê fique sabendo
Qui a muié qui traz a sorte
De atraiçoá o isposo
Só presta pra se matá.
Li peço um grande favô
Antes de vosa mercê
Mi butá daqui pra fora:
É a licença do doutô
Pr´eu li contá minha istóra.
Sinhô, doutô delegado,
Digo a vossa sinhuria
Qui inté onte fui casado
Cum a muié qui in vida
Se chamou RosA Maria.
Faz dez mês qui nós morava
Cumo pobre, é verdade,
Mas a gente se sintia
Rico de filicidade.
Pras banda qui nós morava
No lugá Chão – da – Cutia,
Morava tombém um cabra
Chamado Chico Faria.
Esse cabra mais pra trás
Tinha gostado de Rosa,
Chegaro inté a ser noivo,
Mas não fizero a introsa
Do casamento, pru mode
Mané Uréia de Bode
Que era padrim de Maria
Tê dismanchado essa prosa.
Entonce, Chico Faria,
Adispois qui nós casamo,
In conversa as vez dizia
Qui ainda mi dava fim
Pra se casá cum Maria.
Dessas coisa eu sabia
Mas nunca dei importança.
Tinha toda confiança
Na muié qui eu amava
Ou mais mió adorava
Cum toda minha sustança.
Dispois disso, o meu rijume
Era vivê trabaiano
Sem da muié tê ciúme.
A muié, pru sua vez,
Num me dava cabimento
Deu pensá qui ela fizesse
Um dia um farsejamento.
Mas seu doutô tome tento
No resto da minha istóra
Qui o ruim chegou agora.
Se não me farta a mimóra,
Já faz assim uns três mês
Qui o cabra Chico Faria,
Todo prosa, todo ancho,
Quage sempre, mais das vez,
Avisitava o meu rancho.
Purali discunfiado,
Cuma quem qué e num qué,
Eu fui vendo qui o marvado
Tentava minha muié.
Ou tentação ou engano,
Eu fui vendo a coisa feia,
Pru derradero eu já tava
- mosca detrás da uréia.
Os tempo foram passando
E o meu arriceiamento
Cada vez ia omentando
Seu doutô, vá iscutando!
Onte já de tardezinha,
Meu cumpade Quinca Arruda
Me chamô pra nós dançá
Num samba lá na Varginha,
Na casa de Mestre Duda.
Mestre Duda é um cabôco,
Um tocadô de premêra,
É o imboladô de coco
Mais bom daquela ribêra.
Entonce, Rosa Maria,
Sempre gostou de sambá.
Mas porém, discunfiada,
Me dixe já de noitinha
Qui pru samba ela num ia,
Qui tava muito infadada,
Precisava se deitá...
Eu fiquei discunfiado
Cum a preposta da muié
Dispois qui tumei café,
Quage puro, sem mistura,
Cum a faca na cintura,
Fui pru samba , fui sambá.
Cheguei no samba, doutô,
Quem era qui tava lá?
O cabra Chico Faria
Qui, quando foi mi avistando,
Foi logo me preguntando:
Cadê Sá Dona Maria?
Num veio não, pra dançá?
-Não sinhô, ficou in casa.
Pru Faria arrispondi.
Sintí entonce uma brasa,
Queimando meu coração.
Nunca mais pude tirá
As palavra desse cabra
Da minha imaginação.
Perdi o gosto da festa,
E não pude dançá não.
O cabra, pru sua vez,
Não dançava, seu doutô,
De vez in quando me oiava
Cum oiá de um traídô
Meia noite, mais ou menos,
Se adispidindo dos povo,
Disse: - Adeus, qui eu já vou.
Quando ele se arritirou,
Eu tombém me arritirei,
Atrás dele, sim sinhô.
Ele na frente, eu atrás,
Se o cabra andava depressa
Eu andava muito mais.
Noite iscura cumo breu!
Nem eu avistava o cabra,
Nem o cabra via eu.
sempre andando sempre andando
ele na frente eu atrás
já nem se escutava mais
a voz do fole tocando
na casa do mestre Duda
a noite tava mais preta
que a consciença de Judas
sempre andando sempre andando
eu fui vendo seu dotô
que o maivado ia tomando
direção de minha casa
minha casa sim sinhô
ja pertinho do terreiro
eu me escondi pro detrái
de um pé de trapiazeiro
abaixadinho escundido
prendi a respiração
abri os óio os uvido
pra mió ver e uvi
quá era sua intenção
seu dotô repare bem
o cabra oiando pra trás
do mesmo geito que faz
o ladrão pra ver aiguém
nao tendo visto ninguém
na minha porta bateu
de lá dentro uma voz
bem baixinho arrespondeu
ele entoce cá de fora
quem tá batendo sou eu
de repente abriu-se a porta
ai seu dotô nessa hora
a esperança tá morta
tava morto meu amor
no escuro uma voz falou
taqui seu chico um carta
que a tempo tinha escrevido
´pra mandar pra vóis micê
pro favor não leia agora
vá simbora va simbora
que que quando chegar em casa
tem muito tempo pra ler...
Quando minhas oiça uviu
As palavra qui Maria
Dizia pru desgraçado,
Eu fiquei amalucado,
Fiquei quage cumo um louco,
Ou mió, cumo um cabôco
Quando tá chei de isprito.
Dum sarto cumo um cabrito
Eu tava nos pés do cabra
E sem querê dei um grito:
-Miseráve! E arrastei
minha faca da cintura.
Naquela hora, doutô,
Eu vi o Chico Faria
Na bêra da serputura.
Mas o cabra teve sorte,
Sempre nessas circunstança
Os hôme foge da morte.
Dei de garra do papé,
O portadô da traição,
Machuquei nas minha mão
A honra, doutô, a honra,
Daquela farsa muié.
Dispois oiando pra carta
Tive pena, pode crê
De não tê prindido a lê
Nas letra ali escrivida,
O que dizia Maria
Pru marvado traídô.
Tive pena, sim sinhô,
Mas qui haverá de fazê,
Se nunca prindí a lê?
Maria me atraiçuou,
Essa muié qui um dia
Jueiada nos pé do artá,
Jurou in nome de Deus
Qui inquanto tivesse vida
Havera de mi honrá
E mi amá cum todo amô.
Cum perdão de seu doutô,
Quando vi o miseráve,
Na iscuridão da noite,
Dos meu zóio se iscondê,
Sem dexá nem sombra inté,
Entrei pra dentro de casa
Pra me vingá da muié.
Doutô, qui hora minguada,
Maria tava ajueiada,
Chorando cum as mão posta,
Cuma quem faz oração...
Oiando pra eu pidia
Pelo Cali, pela ósta,
Pelo amô qui eu li amava
Qui eu num fizesse isso não.
Sem dizê uma palavra,
Agarrei das sua mão,
Levantei ela pra riba,
E interrei inté o cabo,
O ferro da parnahyba
Pru riba do coração.
Sarvei a honra, doutô,
Sarvei a honra, apois não.
Dispois qui vi Maria
Cair sem vida no chão,
Vim falá cum vosmicê,
Vim cunfessá o meu crime
E mi intregá as prisão.
Se seu doutô num credita
Se sou criminoso ou não,
Tá qui a faca assassina
E o sangue nas minha mão.
Cumo prova da traição,
Tá qui a carta, doutô.
Li peço um grande favô.
Antes de vossa sinhuria
Me mandá lá pras prisão,
Me leia aqui essa carta
Pr’eu sabê cumo Maria
Preparava a traição.
A CARTA
“Seu Chico. Chã-de-Cutia
Digo a vossa sinuria
Qui só li faço essa carta
Pru sinhô ficá sabendo
Qui eu não sou a muié
Qui o sinhô tá entendendo.
Se o sinhô continuá
Cum seus dibique atrevido,
O jeito qui tem é contá
Tudo tudo a meu marido.
O sinhô fique sabendo
Qui cum seu discaramento
Não faz nunca eu quebrá
O sagrado juramento,
Jurado nos pés do artá,
No dia do casamento.
Se o sinhô é inxirido
Incontrou uma muié forte,
O nome do meu marido
Eu honro inté minha morte!
Sou de vossa sinhuria,
Sua criada Maria.”
Doutô, doutô me arresponda
O qui é qui eu tô uvindo.
Vosmicê tá lendo a carta,
Ou tá... tá me inludindo?
Doutô, meu Deus, doutô,
Maria tava inucente...
Mi arresponda, pru favô.
-Inocente, sim sinhô.
Matei Maria inucente...
Pruquê, seu doutô, pruquê?
Matei Maria somente,
Pruquê num prindi a lê.
Mangine agora o doutô
Quanto é grande o meu sofrê.
Sou duas vez criminoso.
Qui castigo, qui horrô!
Qui crime num sabê lê!
AUTOR: ZÉ DA LUZ
(Zé da Luz Severino de Andrade Silva, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965)
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