terça-feira, 3 de março de 2009

A Promessa de vida

Este é o primeiro capítulo da obra "Escreva e Aconteça" iniciada por mim e por meu amigo André Júnior... O Projeto está sendo desenvolvido através do site www.escrevaeaconteca.seduc.go.gov.br - Com licença, vai demorar muito ainda? - Qual a sua senha? - Moça, minha mãe está ansiosa e eu também. - O Doutor Gouveia já vai atender voces. - Mas não era só pra pegar o resultado? Por que o médico que vai entregar? E foi assim que Raquel começou a entrar em desespero, ela e sua mãe sentadas ali no banco do hospital. Quando o médico chamou pelo nome de D. Luiza Silva, ambas tremeram, temiam pelos resultados dos exames. Raquel era uma moça de quinze anos, cursava o ensino médio e só tinha a mãe nesta vida e o amigo Rubens que se mudara para Goiânia. Era uma moça batalhadora e para ajudar em casa, ia a shows e eventos, como jogos em estádio de futebol, catar latinhas para ajudar no orçamento familiar, sua mãe trabalhava em uma mansão no Lago Norte. Elas moravam num barraco há mais ou menos dois quilômetros do Palácio do Planalto, em Brasília. Numa noite, no fim de semana, mais eventos e lá estava ela, pensativa: "Estou aqui novamente, catando latinhas de alumínio que esses riquinhos descartam! Gostaria de estar lá dentro e não aqui fora, hoje essa boate tá demais! Mas, não devo ficar pensando nisso, tenho que ajudar minha mãe. Com essa doença, ela provavelmente terá que parar de trabalhar. É uma pena que só posso catar latinhas somente nos finais de semana, os estudos me impedem de trabalhar diariamente, mas quero estudar muito e dar uma vida melhor pra minha mãe." Raquel era cor de jambo, tinha os cabelos encaracolados, era alegre e descontraída. Mas, naquele dia, todo o sorriso que trazia no rosto se desfez. O Dr. Gouveia explicou que o exame da mãe acusara Leucemia Mileóide Crônica, que ela precisaria iniciar um tratamento. A conversa foi longa, o médico foi cauteloso: - A Leucemia é o nome dado a cânceres no sangue. Ocorre quando a medula óssea produz grande quantidade de células brancas diminuindo assim a produção das células vermelhas e plaquetas. Com a produção exagerada de células brancas, estas não conseguem atingir a maturidade e adoecem impedindo que suas funções sejam desempenhadas normalmente. Tais alterações provocam anemia, infecções, hemorragias e manchas no organismo, pois os glóbulos vermelhos que levam o oxigênio por todo o corpo, os glóbulos brancos que combatem vírus, as bactérias e as plaquetas que auxiliam na coagulação do sangue não mais desempenham suas funções adequadamente. - É grave doutor? - Muito grave Raquel, mas tem tratamentos adequados, e sua mãe poderá obter sucesso! A notícia invadiu a alma de ambas, que se olharam com lágrimas nos olhos. Raquel sentiu o chão se abrir, não sabia o que dizer a mãe. Depois de ouvirem todas as explicações do médico se dirigiram à capela do hospital. Rezar, naquele momento, era o desejo de D. Luiza. Na capela, ajoelhou-se em frente ao altar e chorou por mais de uma hora. Introspectiva, Raquel se silenciou no último banco e também não conteve as lágrimas. Ao saírem dali, mãe e filha, cada uma no silêncio, começaram a buscar forças na fé, na esperança. Não trocaram nenhuma palavra até chegarem em casa. Já em casa, D. Luiza disse à filha: - Raquel, se algo acontecer comigo, se minha doença se agravar, quero que seja forte, continue estudando, trabalhando, não deixe que ninguém a desanime, siga direitinho tudo que lhe ensinei, não baixe a cabeça, olhe diretamente nos olhos das pessoas, não trilhe caminhos errados, siga nossa religião, tenha sempre em mente seus objetivos, não deixarei nada de valor pra você, mas herderá meus ensinamentos! - Não diz assim, voce logo estará curada! E, ainda, vamos ser muito felizes juntas! No dia seguinte, D. Luiza não acordou disposta, estava fragilizada e ficou até mais tarde no quarto, como quem quisesse isolamento. Raquel não pertubou-a, mas a observou. Viu que a mãe chorava segurando uma caixa antiga que volta e meia ela abria e remexia em guardados, como cartões, fotos, documentos. A patroa de D. Luiza foi visitá-la, para saber como ela estava. Ao recebê-la, D. Luiza esqueceu no quarto sua caixa aberta sobre a cama. Na curiosidade de filha, Raquel pegou a caixa e começou a vasculhar, enquanto a mãe desabafava com D. Celeste. Durante a visita, Raquel pode ler muitos papéis que estavam guardados na caixa. Uma descoberta a chocou! Encontrou uma Declaração de Nascido Vivo, de um menino que hoje, deverá ter seus dezessete para dezoito anos de idade. Não encontrou registro de nascimento algum, mas na declaração dizia que a mãe era Luiza Silva. Não fazia referência quanto ao pai. Raquel pode concluir que a mãe deveria ter sido mãe solteira, antes de ter se casado com seu pai. A confusão na cabeça da moça ia crescendo, mexeu mais em alguns guardados, enquanto a mãe estava ocupada, e viu ainda o livro 'Aventura no Araguaia' do autor Bariani Ortêncio, um mineiro, que vive em Goiânia há muitos anos. Viu que o livro estava autografado para sua mãe. Guardou-o e junto com ele a caixinha e foi para a sala. Dois dias se passaram e de uma lan house, Raquel teclava no messenger com seu amigo Rubens, contou a notícia triste sobre a mãe e que estava sem saber o que fazer ou como ajudar. Contou também do segredo da mãe e Rubens aconselhou-a a conversar com D. Luiza, que contasse o que sabia. E durante a conversa Raquel manifestou uma idéia que lhe ocorreu em pensamentos: - Rubens, nem sei como minha mãe poderá se tratar. A D. Celeste, patroa dela, esteve lá em casa e disse que vai ajudar, mas sei que o tratamento não é barato e que não é fácil, li aqui na internet que ela precisará ou de um transplante de medula óssea, ou por um cateter, ou mesmo fazer transfusões de hemáceas ou plaquetas. Nem sabemos quanto custa isso. - Calma, Raquel - Rubens tentava amenizar a situação. - Minha mãe não dorme desde a notícia do médico e sei que está muito pensativa. E se ela precisar de transplante? Tomara que eu seja compatível e possa ser doadora. - Voces voltaram ao médico? - Ainda não. Marcamos uma nova consulta para amanhã. No momento em que Raquel estava conversando com Rubens, apareceu online um amigo, que ela só conhecia virtualmente, mas que conversava constantemente. Ele era mais velho que ela, morava com os pais e estava cursando o último ano do ensino médio. Seu nome era Paulo César. Ele puxou assunto: - Olá! - Oi. - Como você está? - Nada bem. E Raquel contou a Paulo César o que estava acontecendo. Ele disse a ela que seu tio era Médico Oncologista e trabalha numa clínica de Goiânia que tem vários casos de sucesso no tratamento de Leucemia. A conversa com Rubens cessou e Raquel ficou teclando com Paulo César por mais de uma hora. Ao sair dali, estava esperançosa, decidida a conversar com sua mãe. E talvez aquela fosse a conversa mais dura que as duas teriam até aquele dia. Quando chegou em casa, D. Luiza deitou-se no sofá para descansar, estava fazendo novos exames. Raquel pediu à mãe que lhe escutasse. Contou então, do papel que vira na caixa de segredos da mãe e que queria saber do que se tratava aquele documento de uma criança nascida em 1991. A mãe contou-lhe a verdade: - Sabe, minha filha, na vida cometemos erros. Eu me arrependo do que aconteceu. Eu era doméstica na casa da D. Rita Albuquerque, lá em Goiânia. Um dia, o marido dela começou a me seduzir e engravidei do senhor José Paulo. Saí do emprego. Tive a criança e como eu estava desempregada, estava pegando somente algumas faxinas, eu não daria conta de criar a criança (neste momento, D. Luiza soluçava e chorava) acabei abandonando o menino na porta deles. E nunca mais os vi, nem os Albuquerques e nem a criança, meu filho! Raquel segurou as mãos de D. Luiza e carinhosamente abraçou a mãe: - Mãe, não fique assim! O silêncio tomou conta, era como que se ficassem caladas fosse a forma de dizer uma para a outra que estavam ali e que isto bastava, tamanha a cumplicidade das duas. No dia seguinte, no consultório do Dr. Gouveia, a notícia foi dolorosa. A mãe teria que fazer um transplante de medula óssea. Seu caso estava grave. Teriam que batalhar para entrar na fila de transplante. O Dr. Gouveia falou das dificuldades em encontrar um doador compatível. Disse que teria que fazer os exames necessários para colocar o nome da D. Luiza no Banco de Medula Óssea. Desta vez, Raquel saiu do hospital sozinha, enquanto a mãe faria os exames, foi andar pelas ruas largas da cidade. Caminhou inseguramente, tentando encontrar soluções para o problema, pois se sentia responsável pela mãe. O seu desejo era ser compatível e poder ser a doadora, mas sentia no seu íntimo, a improbabilidade de ser a solução daquele episódio cruel de sua vida. Após minutos de caminhada, Raquel teve uma sensação de EUREKA: o filho de sua mãe deixado no passado na porta dos Albuquerques poderia ser também o doador compatível. Teria que ir atrás dele. Goiânia era perto de Brasília, ela mesma poderia encontrá-lo. Seria com certeza a salvação da mãe! Na cabeça de Raquel, a doença da mãe teria um desfecho rápido e toda aquela dor se transformaria. E, com o fim do sofrimento, viria a alegria e a felicidade. Tinha o amigo Rubens para ajudá-la. Poderia contar com ele. Raquel se animou, pois em Goiânia teria a tia, cunhada de sua mãe que poderia hospedá-las, tinha o tio de Paulo César, Rubens que sempre foi amável e solidário e a esperança de que seu meio irmão pudesse fazer algo por D. Luiza. E foi assim, cheia de esperanças que Raquel voltou ao hospital ao encontro de sua mãe. Em casa, contou seus planos a D. Luiza: ir atrás do filho para resgatar do passado uma parte da vida, que estava esquecida. Nos dias que se seguiram, veio o desânimo e novos planos. Raquel realmente não era compatível pra ser doadora de medula para a mãe. Nos Bancos de Medula Óssea em Brasília também não foi encontrado nenhum doador. - Por onde começaremos? - indagou D. Luiza, ao admitir a possibilidade de procurar pelo filho. - Podemos começar pelo endereço dos Albuquerques. - Mas, se eles não morarem mais no mesmo lugar? - Procuraremos. Começar uma busca pela internet era a idéia primeira de Raquel. - Posso pesquisar na internet, mãe. - Como é isso? - Eu vou pesquisar no Google. - Tá bom, mas como iremos pra Goiânia, assim sem saber que rumo vamos tomar? - Vou pedir ajuda do Rubens. - Raquel, isso não! Já te pedi para se afastar dele, ele quer te seduzir, minha filha. Não é um bom amigo! Por sermos pobres, a família dele irá te maltratar e jamais aceitaria que ele namorasse uma menina como voce, de cor jambo que cata latinhas. - Mas não vejo assim, sei que sou honesta, trabalhadora, uma das melhores alunas do colégio, tanto é que ganhei o concurso de redação e também a maratona de matemática, e minha cor é linda! Hoje, mãe, as modelos mais famosas do mundo, são negras! - Tem mais, minha filha, ele é bem mais velho que voce, só quer se aproveitar. - Mãe, ele é bom pra mim. Lembra quando o papai morreu? A força que nos deu. Não é porque ele tem dinheiro que quer se aproveitar de mim. Ele pode me ajudar a procurar seu filho. Conhece Goiânia, já mora lá há mais de um ano. Quando estive lá em dezembro, que fui passear na casa da tia Zilda, ele me levou para conhecer vários lugares legais e conheci amigos e amigas dele. Um dia te conto. Mas, agora temos que começar. Na escola, Raquel procurou no Google pelo nome do Sr. José Paulo Albuquerque, mas não encontrou nenhum resultado! Pesquisou também em listas telefônicas. Pesquisou o nome da esposa dele, Rita Albuquerque. Mas nada! No msn encontrou Rubens online e pediu sua ajuda. Como ele gostava de Raquel, se colocou à disposição: - No que voce precisar, seja o carro, telefone e dinheiro, poderei te ajudar. - Nem sei como agradecer, Rubens. Voce realmente é um bom amigo, aliás é o meu melhor amigo. - Quando voces virão para Goiânia? - Estou aguardando minha mãe se decidir e pegar um encaminhamento do médico. Preciso saber se aí ela terá como continuar o tratamento. - Quer que eu olhe isso? - Sim, vou precisar muito de voce. Olhe que hospitais eu poderei continuar o tratamento dela. Acho que teremos que mudar de vez para Goiânia. - Nem acredito nisso! - Calma! Não tenho certeza disso! Raquel foi se enchendo de força, começou a organizar as coisas, ligou para a tia Zilda para falar da possibilidade de ficarem na casa dela, organizou declaração para a transferência escolar, pediu ao Dr. Gouveia indicações de especialistas em Goiânia e encaminhamento médico. E na última consulta, o Dr. Gouveia salientou: - Quero adiantar a vocês que consegui falar na clínica de um amigo, e conversamos sobre os resultados e o histórico patológico de sua mãe. Ele está disposto a nos ajudar, colocou-se à disposição, não só ele, mas também a clínica! Depois de todas as malas prontas, D. Celeste providenciou para que D. Luiza pudesse se mudar sem atropelos. Foi numa manhã de novembro que tomaram o rumo de Goiânia. A tia Zilda as aguardava. Era uma das irmãs do pai de Raquel. Seu Otacílio Silva morrera três anos antes de acidente, fora atropelado porque estava embriagado. Em Goiânia, Rubens estava ansioso e no primeiro dia, ajudou Raquel a se matricular em uma escola da Rede Estadual, depois começariam as buscas pelo irmão e por hospitais. Primeiramente, iria à clínica que o Dr. Gouveia indicou.

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