terça-feira, 2 de junho de 2009

Confissão de cabloco

CUNFISSÃO DE CABÔCO Seu doutô sou criminoso, Sou criminoso de morte, To aqui pra me entregá. Vosmicê fique sabendo Qui a muié qui traz a sorte De atraiçoá o isposo Só presta pra se matá. Li peço um grande favô Antes de vosa mercê Mi butá daqui pra fora: É a licença do doutô Pr´eu li contá minha istóra. Sinhô, doutô delegado, Digo a vossa sinhuria Qui inté onte fui casado Cum a muié qui in vida Se chamou RosA Maria. Faz dez mês qui nós morava Cumo pobre, é verdade, Mas a gente se sintia Rico de filicidade. Pras banda qui nós morava No lugá Chão – da – Cutia, Morava tombém um cabra Chamado Chico Faria. Esse cabra mais pra trás Tinha gostado de Rosa, Chegaro inté a ser noivo, Mas não fizero a introsa Do casamento, pru mode Mané Uréia de Bode Que era padrim de Maria Tê dismanchado essa prosa. Entonce, Chico Faria, Adispois qui nós casamo, In conversa as vez dizia Qui ainda mi dava fim Pra se casá cum Maria. Dessas coisa eu sabia Mas nunca dei importança. Tinha toda confiança Na muié qui eu amava Ou mais mió adorava Cum toda minha sustança. Dispois disso, o meu rijume Era vivê trabaiano Sem da muié tê ciúme. A muié, pru sua vez, Num me dava cabimento Deu pensá qui ela fizesse Um dia um farsejamento. Mas seu doutô tome tento No resto da minha istóra Qui o ruim chegou agora. Se não me farta a mimóra, Já faz assim uns três mês Qui o cabra Chico Faria, Todo prosa, todo ancho, Quage sempre, mais das vez, Avisitava o meu rancho. Purali discunfiado, Cuma quem qué e num qué, Eu fui vendo qui o marvado Tentava minha muié. Ou tentação ou engano, Eu fui vendo a coisa feia, Pru derradero eu já tava - mosca detrás da uréia. Os tempo foram passando E o meu arriceiamento Cada vez ia omentando Seu doutô, vá iscutando! Onte já de tardezinha, Meu cumpade Quinca Arruda Me chamô pra nós dançá Num samba lá na Varginha, Na casa de Mestre Duda. Mestre Duda é um cabôco, Um tocadô de premêra, É o imboladô de coco Mais bom daquela ribêra. Entonce, Rosa Maria, Sempre gostou de sambá. Mas porém, discunfiada, Me dixe já de noitinha Qui pru samba ela num ia, Qui tava muito infadada, Precisava se deitá... Eu fiquei discunfiado Cum a preposta da muié Dispois qui tumei café, Quage puro, sem mistura, Cum a faca na cintura, Fui pru samba , fui sambá. Cheguei no samba, doutô, Quem era qui tava lá? O cabra Chico Faria Qui, quando foi mi avistando, Foi logo me preguntando: Cadê Sá Dona Maria? Num veio não, pra dançá? -Não sinhô, ficou in casa. Pru Faria arrispondi. Sintí entonce uma brasa, Queimando meu coração. Nunca mais pude tirá As palavra desse cabra Da minha imaginação. Perdi o gosto da festa, E não pude dançá não. O cabra, pru sua vez, Não dançava, seu doutô, De vez in quando me oiava Cum oiá de um traídô Meia noite, mais ou menos, Se adispidindo dos povo, Disse: - Adeus, qui eu já vou. Quando ele se arritirou, Eu tombém me arritirei, Atrás dele, sim sinhô. Ele na frente, eu atrás, Se o cabra andava depressa Eu andava muito mais. Noite iscura cumo breu! Nem eu avistava o cabra, Nem o cabra via eu. sempre andando sempre andando ele na frente eu atrás já nem se escutava mais a voz do fole tocando na casa do mestre Duda a noite tava mais preta que a consciença de Judas sempre andando sempre andando eu fui vendo seu dotô que o maivado ia tomando direção de minha casa minha casa sim sinhô ja pertinho do terreiro eu me escondi pro detrái de um pé de trapiazeiro abaixadinho escundido prendi a respiração abri os óio os uvido pra mió ver e uvi quá era sua intenção seu dotô repare bem o cabra oiando pra trás do mesmo geito que faz o ladrão pra ver aiguém nao tendo visto ninguém na minha porta bateu de lá dentro uma voz bem baixinho arrespondeu ele entoce cá de fora quem tá batendo sou eu de repente abriu-se a porta ai seu dotô nessa hora a esperança tá morta tava morto meu amor no escuro uma voz falou taqui seu chico um carta que a tempo tinha escrevido ´pra mandar pra vóis micê pro favor não leia agora vá simbora va simbora que que quando chegar em casa tem muito tempo pra ler... Quando minhas oiça uviu As palavra qui Maria Dizia pru desgraçado, Eu fiquei amalucado, Fiquei quage cumo um louco, Ou mió, cumo um cabôco Quando tá chei de isprito. Dum sarto cumo um cabrito Eu tava nos pés do cabra E sem querê dei um grito: -Miseráve! E arrastei minha faca da cintura. Naquela hora, doutô, Eu vi o Chico Faria Na bêra da serputura. Mas o cabra teve sorte, Sempre nessas circunstança Os hôme foge da morte. Dei de garra do papé, O portadô da traição, Machuquei nas minha mão A honra, doutô, a honra, Daquela farsa muié. Dispois oiando pra carta Tive pena, pode crê De não tê prindido a lê Nas letra ali escrivida, O que dizia Maria Pru marvado traídô. Tive pena, sim sinhô, Mas qui haverá de fazê, Se nunca prindí a lê? Maria me atraiçuou, Essa muié qui um dia Jueiada nos pé do artá, Jurou in nome de Deus Qui inquanto tivesse vida Havera de mi honrá E mi amá cum todo amô. Cum perdão de seu doutô, Quando vi o miseráve, Na iscuridão da noite, Dos meu zóio se iscondê, Sem dexá nem sombra inté, Entrei pra dentro de casa Pra me vingá da muié. Doutô, qui hora minguada, Maria tava ajueiada, Chorando cum as mão posta, Cuma quem faz oração... Oiando pra eu pidia Pelo Cali, pela ósta, Pelo amô qui eu li amava Qui eu num fizesse isso não. Sem dizê uma palavra, Agarrei das sua mão, Levantei ela pra riba, E interrei inté o cabo, O ferro da parnahyba Pru riba do coração. Sarvei a honra, doutô, Sarvei a honra, apois não. Dispois qui vi Maria Cair sem vida no chão, Vim falá cum vosmicê, Vim cunfessá o meu crime E mi intregá as prisão. Se seu doutô num credita Se sou criminoso ou não, Tá qui a faca assassina E o sangue nas minha mão. Cumo prova da traição, Tá qui a carta, doutô. Li peço um grande favô. Antes de vossa sinhuria Me mandá lá pras prisão, Me leia aqui essa carta Pr’eu sabê cumo Maria Preparava a traição. A CARTA “Seu Chico. Chã-de-Cutia Digo a vossa sinuria Qui só li faço essa carta Pru sinhô ficá sabendo Qui eu não sou a muié Qui o sinhô tá entendendo. Se o sinhô continuá Cum seus dibique atrevido, O jeito qui tem é contá Tudo tudo a meu marido. O sinhô fique sabendo Qui cum seu discaramento Não faz nunca eu quebrá O sagrado juramento, Jurado nos pés do artá, No dia do casamento. Se o sinhô é inxirido Incontrou uma muié forte, O nome do meu marido Eu honro inté minha morte! Sou de vossa sinhuria, Sua criada Maria.” Doutô, doutô me arresponda O qui é qui eu tô uvindo. Vosmicê tá lendo a carta, Ou tá... tá me inludindo? Doutô, meu Deus, doutô, Maria tava inucente... Mi arresponda, pru favô. -Inocente, sim sinhô. Matei Maria inucente... Pruquê, seu doutô, pruquê? Matei Maria somente, Pruquê num prindi a lê. Mangine agora o doutô Quanto é grande o meu sofrê. Sou duas vez criminoso. Qui castigo, qui horrô! Qui crime num sabê lê! AUTOR: ZÉ DA LUZ (Zé da Luz Severino de Andrade Silva, nasceu em Itabaiana, PB, em 29/03/1904 e faleceu no Rio de Janeiro-RJ, em 12/02/1965)

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