segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Poesia Matemática - Millôr Fernandes



Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontraram
no infinito.
- "Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical.
- "Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hi-po-te-nu-sa."
E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si.
E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E, enfim, resolveram se casar, constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissetriz. E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro sonhando com uma felicidade integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos. E foram felizes até aquele dia em que tudo vira afinal monotonia.
Foi então que surgiu o Máximo Divisor Comum, freqüentador de círculos concêntricos, viciosos.  Ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade.  Era o triângulo, tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração, a mais ordinária. Mas, foi então, que Einstein descobriu a Relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade como, aliás, em qualquer sociedade.

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