quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Escreva e Aconteça - Raquel, Coragem e Determinação

Coautores Coordenadores: Júnior, André e Álvares, Shirlene Capítulo 1 - A PROMESSA DE VIDA - Com licença, vai demorar muito ainda? - Qual a sua senha? - Moça, minha mãe está ansiosa e eu também. - Doutor Gouveia já vai atender vocês. - Mas não era só pra pegar o resultado? Por que é o médico que vai entregar? E foi ali, num banco de hospital, que Raquel começou a entrar em desespero, junto com sua mãe. Raquel era uma moça de quinze anos, cursava o ensino médio e, além da mãe e uma tia, tinha também o amigo Rubens, que se mudara para Goiânia. Era uma moça batalhadora e, para ajudar em casa, catava latinhas em eventos, como shows e jogos em estádios de futebol. Dona Luiza trabalhava em uma mansão no Lago Norte, em Brasília. Morava com a filha num barraco há mais ou menos dois quilômetros do Palácio do Planalto. Enquanto aguardavam o médico, Raquel recordava-se do trabalho realizado no último final de semana, e dos seus sentimentos naquela noite: "Estou aqui novamente, catando latinhas de alumínio que esses riquinhos descartam! Gostaria de estar lá dentro e não aqui fora. Hoje essa boate tá demais! Mas, não devo ficar pensando nisso, tenho que ajudar minha mãe. Com essa doença, ela provavelmente terá que parar de trabalhar. É uma pena que só posso catar latinhas nos finais de semana, os estudos me impedem de trabalhar diariamente, mas quero estudar muito e dar uma vida melhor pra minha mãe." Despertou dos seus pensamentos quando o médico chamou pelo nome de dona Luiza Silva. Ambas tremeram, tinham receio dos resultados dos exames. Raquel era cor de jambo, tinha os cabelos encaracolados, era alegre e descontraída. Mas, naquele momento, não havia sorriso no seu rosto. Doutor Gouveia explicou que o exame de dona Luiza acusara Leucemia Mileóide Crônica e que ela precisaria iniciar, imediatamente, o tratamento. A conversa foi longa, o médico foi cauteloso: - A Leucemia é o nome dado a cânceres no sangue. Ocorre quando a medula óssea produz grande quantidade de células brancas, diminuindo, assim, a produção das células vermelhas e plaquetas. As células brancas, produzidas em grande quantidade, não conseguem atingir a maturidade e adoecem, deixando de desempenhar suas funções. Tais alterações provocam anemia, infecções, hemorragias e manchas no organismo, pois os glóbulos vermelhos - que levam o oxigênio por todo o corpo -, os glóbulos brancos - que combatem vírus -, as bactérias e as plaquetas - que auxiliam na coagulação do sangue - não mais desempenham suas funções adequadamente. - É grave, doutor? - Muito grave, Raquel. Mas existem tratamentos adequados, e sua mãe poderá obter sucesso! A notícia invadiu a alma de ambas, que se olharam com lágrimas nos olhos. Raquel sentiu o chão se abrir, não sabia o que dizer à mãe. Depois de ouvirem todas as explicações do médico, dirigiram-se à capela do hospital. Rezar, naquele momento, era o desejo de dona Luiza. Ajoelhou-se em frente ao altar e chorou por mais de uma hora. Introspectiva, Raquel silenciou-se no último banco e também não conteve as lágrimas. Ao saírem dali, mãe e filha, cada uma no seu silêncio, começaram a buscar forças na fé, na esperança. Não trocaram nenhuma palavra até chegarem. Já em casa, dona Luiza disse à filha: - Raquel, se algo acontecer comigo, se minha doença se agravar, quero que seja forte e que continue estudando e trabalhando. Não deixe que ninguém a desanime! Siga direitinho tudo que lhe ensinei: não baixe a cabeça, olhe diretamente nos olhos das pessoas, não trilhe caminhos errados, siga nossa religião, tenha sempre em mente seus objetivos! Não deixarei nada de valor pra você, mas herdará meus ensinamentos! - Não diz assim, mãe! Você logo estará curada e ainda vamos ser muito felizes juntas! No dia seguinte, dona Luiza não acordou disposta, estava fragilizada e ficou até mais tarde no quarto, como quem quisesse isolar-se. Raquel não a perturbou, viu que a mãe chorava segurando uma caixa de guardados antigos, como cartões, fotos, documentos que, volta e meia, ela remexia. Dona Celeste, patroa de dona Luiza, foi visitá-la. Ao sair para recebê-la, esqueceu a caixa aberta sobre a cama. Raquel, curiosa, pegou-a e começou a vasculhá-la, enquanto a mãe e sua patroa conversavam na sala. Durante a visita, Raquel pôde ler muitos papéis que estavam guardados na caixa. Uma descoberta a chocou! Encontrou uma Declaração de Nascido Vivo, de um menino que, atualmente, deve estar com dezessete ou dezoito anos de idade. Não encontrou registro de nascimento algum, mas na declaração constava o nome Luiza Silva, como mãe do garoto. Não fazia referência sobre o pai, então Raquel concluiu que sua mãe tivera um filho antes do casamento. A confusão na cabeça da moça só aumentava. Remexeu ainda mais os guardados, encontrando ali também um livro “Aventura no Araguaia” de Bariani Ortêncio, um escritor paulista, mas como ele próprio diz: “goiano de coração”, por viver em Goiânia há muitos anos. Viu que o livro estava autografado para sua mãe.Guardou-o na caixa e foi para a sala. Dois dias se passaram e, de uma lan house, Raquel teclava no messenger com seu amigo Rubens. Contou-lhe sobre a doença da mãe, dizendo-lhe que não sabia como ajudá-la. Contou-lhe também o segredo de dona Luiza, e Rubens a aconselhou a conversar com ela, a contar-lhe o que descobrira. E durante a conversa Raquel manifestou uma ideia que lhe ocorrera: - Rubens, nem sei como minha mãe poderá se tratar. Dona Celeste, sua patroa, esteve lá em casa e disse que vai ajudar, mas sei que o tratamento não é barato. Não vai ser fácil; li, aqui na internet, que ela precisará de um transplante de medula óssea, ou de um catéter, ou mesmo de transfusões de hemáceas ou plaquetas. Nem sabemos quanto custa isso. - Calma, Raquel - Rubens tentava amenizar a situação. - Minha mãe não dorme desde a notícia do médico e sei que está muito apreensiva. E se ela precisar de um transplante? Tomara que eu seja compatível e possa ser doadora. - Vocês voltaram ao médico? - Ainda não. Marcamos uma nova consulta para amanhã. No momento em que Raquel conversava com Rubens, apareceu, online, Paulo César, um rapaz que ela só conhecia virtualmente, mas com quem sempre conversava. Ele era mais velho que ela, morava com os pais e estava cursando o último ano do ensino médio. - Olá! - Oi. - Como você está? - Nada bem. E Raquel contou a Paulo César o que estava acontecendo. Ele disse a ela que tem um tio médico, especialista em oncologia, com um histórico de sucesso no tratamento de Leucemia, num hospital em Goiânia. A conversa com Rubens cessou e Raquel ficou teclando com Paulo César por mais de uma hora. Ao sair dali, estava esperançosa, decidida a conversar com sua mãe. E talvez aquela fosse a conversa mais dura que as duas teriam até aquele dia. Quando chegou em casa, encontrou dona Luiza deitada no sofá, estava cansada da rotina de tantos exames. Raquel pediu à mãe que a escutasse. Contou-lhe, então, que encontrara um documento na caixa de segredos, e quis saber quem era a criança nascida em 1991. A mãe contou-lhe a verdade: - Sabe, minha filha, na vida cometemos erros. Eu me arrependo do que aconteceu. Eu era doméstica na casa da dona Rita Albuquerque, lá em Goiânia. Um dia, o marido dela, Seu José Paulo, me seduziu. Engravidei, saí do emprego e tive a criança. Como estava desempregada, somente com algumas faxinas, não tive como criar a criança (neste momento, dona Luiza soluçava) e acabei abandonando o menino na porta deles. E nunca mais os vi, nem os Albuquerque e nem a criança, meu filho! Raquel segurou as mãos de dona Luiza e, carinhosamente, abraçou-a: - Mãe, não fique assim! O silêncio tomou conta daquele ambiente, era como que se ficassem caladas fosse a forma de dizer, uma à outra, que estavam ali e que isto bastava, tamanha a cumplicidade das duas. No dia seguinte, no consultório do doutor Gouveia, a notícia foi dolorosa: dona Luiza teria que fazer o transplante de medula óssea. Seu caso era mesmo muito grave. Teriam que batalhar para entrar na fila de espera por um doador. Doutor Gouveia falou das dificuldades em encontrar um doador compatível. Disse que dona Luiza teria que fazer novos exames para poder incluir seu nome no Banco de Medula Óssea. Desta vez Raquel saiu do hospital, sozinha. Enquanto dona Luiza fazia os exames, ela caminhou pelas ruas largas da cidade, tentando encontrar soluções para o problema. Sentia-se responsável pela mãe. O seu desejo era ser compatível e poder ser a doadora, mas sentia no seu íntimo a improbabilidade de ser a solução daquele episódio cruel de sua vida. Após minutos de caminhada, Raquel teve uma sensação de EUREKA: o filho de sua mãe, deixado na porta dos Albuquerque, poderia ser o doador compatível. Teria que ir atrás dele. Goiânia era perto de Brasília, ela mesma poderia encontrá-lo. Seria, com certeza, a salvação da mãe! Na cabeça de Raquel a doença da mãe teria um desfecho rápido, e toda aquela dor se transformaria. E, com o fim do sofrimento, viria a alegria, a felicidade. Raquel se animou, pois em Goiânia, além de Rubens, o amigo amável e solidário, com quem sempre pôde contar, poderiam hospedar-se na casa da tia Zilda, irmã do seu pai. Sem contar que ainda poderiam consultar o médico, tio de Paulo César. E foi assim, cheia de esperanças, que Raquel voltou ao encontro de sua mãe, no hospital, e contou-lhe seus planos. Para dona Luiza, ir atrás do filho significava resgatar uma parte da vida que estava esquecida. Nos dias que se seguiram, vieram o desânimo e novos planos. Raquel realmente não poderia ser a doadora da medula para a mãe. Nos Bancos de Medula Óssea em Brasília também não foi encontrado nenhum doador compatível. - Por onde começaremos? – Indagou dona Luiza, ao admitir a possibilidade de procurar pelo filho. - Podemos começar pelo endereço dos Albuquerque. - Mas, e se eles não morarem mais no mesmo lugar? - Procuraremos em outros endereços. Posso pesquisar na internet, mãe. Começar uma busca pela internet era a idéia primeira de Raquel. - Como é isso? - Eu vou pesquisar no Google. - Tá bom, mas iremos pra Goiânia assim, sem saber que rumo vamos tomar? - Vou pedir ajuda ao Rubens. - Raquel, isso não! Já te pedi para se afastar desse rapaz, ele quer te seduzir, minha filha. Não é um bom amigo! Por sermos pobres, a família dele irá te maltratar; jamais aceitará que ele namore uma menina cor de jambo que cata latinhas. - Eu não vejo assim. Sou honesta, trabalhadora, uma das melhores alunas do colégio, tanto é que ganhei o concurso de redação e também a maratona de matemática; e minha cor é linda! Hoje, mãe, as modelos mais famosas do mundo são negras! - Tem mais, minha filha, ele é bem mais velho que você; só quer se aproveitar. - Mãe, ele é bom pra mim. Lembra a força que ele nos deu quando o papai morreu? Não é porque ele tem dinheiro que quer se aproveitar de mim. Ele pode nos ajudar a procurar seu filho, pois conhece Goiânia, já mora lá há mais de um ano. Quando estive lá em dezembro, na casa da tia Zilda, ele me levou para conhecer vários lugares legais e me apresentou seus amigos. Um dia te conto, agora temos que preparar a nossa ida para Goiânia. Na escola, Raquel procurou no Google pelo nome do Sr. José Paulo Albuquerque, mas não encontrou. Pesquisou também em listas telefônicas, inclusive o nome da esposa, Rita Albuquerque. Nada! No MSN pediu ajuda a Rubens que estava online. Ele se colocou à disposição: - Posso te ajudar no que você precisar: carro, telefone, dinheiro. - Nem sei como agradecer, Rubens. Você realmente é um bom amigo, aliás é o meu melhor amigo. - Quando vocês virão para Goiânia? - Estou aguardando minha mãe se decidir e pegar um encaminhamento do médico. Preciso saber se aí ela terá como continuar o tratamento. - Quer que eu olhe isso? - Sim, vou precisar muito de você. Veja em que hospital eu poderei continuar o tratamento dela. Acho que teremos de mudar definitivamente. - Nem acredito nisso! - Calma! Não tenho certeza ainda! Raquel foi se enchendo de força, começou a organizar as coisas, ligou para tia Zilda, falou-lhe sobre a possibilidade de ficarem na sua casa, solicitou a transferência escolar, pediu ao doutor Gouveia indicações de especialistas em Goiânia e um encaminhamento médico. Na última consulta, doutor Gouveia salientou: - Quero adiantar a vocês que consegui falar na clínica de um amigo, e conversamos sobre os resultados e o histórico patológico de sua mãe. Ele está disposto a nos ajudar, colocou-se à disposição, não só ele, mas também a clínica! Dona Celeste arcou com as despesas da mudança. Assim, Raquel e sua mãe tomaram o rumo de Goiânia numa manhã de setembro. Tia Zilda as aguardava. Era uma das irmãs do pai de Raquel. Seu Otacílio Silva que morrera há três anos ao ser atropelado, porque estava embriagado. Em Goiânia, Rubens já no primeiro dia ajudou Raquel a se matricular em uma escola da Rede Estadual. Depois começariam as buscas pelo irmão e por hospitais. Primeiramente iria à clínica que o doutor Gouveia indicou.

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