quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Escreva e Aconteça - Raquel, Coragem e Determinação

Coautores Coordenadores: Júnior, André e Álvares, Shirlene Capítulo 6 - O Encontro A madrugada do dia 29 foi de insônia para Raquel que estava bastante ansiosa. Henrique chegaria naquele dia. Não esperou amanhecer direito para levantar-se e sair. Ainda era escuro, quando ela se dirigiu à casa dos Albuquerque para falar com o senhor José Paulo. Queria sentir-se em paz e resolveu tomar uma atitude que, na sua cabeça, seria a mais correta. Chegou à porta da casa, por volta de 6h40, sentou-se no meio-fio e ficou aguardando a saída de José Paulo, pois, durante toda a noite, ficou a pensar se não seria mais prudente que ele soubesse que Henrique era seu filho, antes da esposa. Na casa dos Albuquerque, a noite também não foi das melhores. No dia anterior, quando a filha Marina e o senhor José Paulo chegaram em casa, dona Rita contou-lhes sobre a visita de Raquel. Ela chorava, dizendo não poder acreditar no que estava acontecendo. Marina tentou acalentar a mãe. José Paulo ficou sem palavras, mas permaneceu firme. Precisava demonstrar segurança à esposa, por isso não podia chorar. Conversaram sobre o assunto até a madrugada. Dona Rita se lembrou de quando dona Luiza, uma bonita mulata, viera trabalhar em sua casa, onde permaneceu por três anos. Fora a primeira babá de sua filha. Nunca soubera o motivo pelo qual saiu de lá, sequer imaginou que ela pudesse estar grávida. Ao relatar essas lembranças, dona Rita não conseguiu conter as lágrimas, pois, além de estar receosa de perder o filho, sentia-se bastante comovida com a situação de dona Luiza Silva. Enquanto a esposa sofria com aquela revelação, o marido pouco externava o que sentia, apesar de estar confuso com a situação. Voltou àquela noite em que se rendera aos encantos de Luiza e ficou a pensar na possibilidade de Henrique ser seu filho, já que ambos se pareciam muito. Já eram 7h50 quando o portão da garagem se abriu. Raquel levantou-se, colocando-se à frente do carro. José Paulo freou e, abrindo a porta do veículo, exclamou: - Você é louca, menina! Como entra assim na frente de um carro em movimento? Eu poderia ter atropelado você. Raquel não fez cara de boa vizinhança, mas, educadamente, cumprimentou o dono da casa: - Bom dia, seu José Paulo! Sou Raquel, filha de dona Luiza Silva, uma ex-funcionária sua. O senhor lembra-se de minha mãe? José Paulo,ainda bastante angustiado, fez que sim com a cabeça. - Eu gostaria de falar com o senhor em particular. Foram juntos até uma pracinha, que ficava ali mesmo no bairro, não muito longe da casa dos Albuquerque. Procuraram um banco mais afastado, onde pudessem conversar tranquilamente. Raquel relatou-lhe o que havia dito a dona Rita no dia anterior, e concluiu: - Minha mãe está muito doente, precisa urgentemente de um transplante de medula óssea, mas, infelizmente, ainda não encontramos o doador, pois eu não sou compatível. A nossa principal esperança é Henrique, o filho que ela abandonou na sua porta, ao nascer. Mas, ao mesmo tempo, temos receio da sua reação ao saber a verdade; pode ser que ele se recuse a ajudá-la. - Rita já me pôs a par de tudo. Estamos sofrendo muito com esta história, pois Henrique não sabe que é filho adotivo. Nós o criamos com a mesma dedicação, com o mesmo amor com que foi criada nossa filha mais velha. Para nós não há diferença entre eles. Somos muito felizes com os nossos dois filhos. - Essa era mesmo a intenção de minha mãe. Queria que o filho dela fosse feliz e bem criado. Mas, tem uma coisa que eu preciso dizer ao senhor. – Raquel tremia e suas mãos suavam. – Lembra-se do que aconteceu entre o senhor e minha mãe? José Paulo se angustia ainda mais e apenas murmura: - Sim. - O Henrique é filho de vocês. Minha mãe, que se arrependera do que fizera, escondeu a gravidez, pois temia a reação de dona Rita. Como tinha certeza de que o senhor era o pai, ela resolveu deixá-lo na porta de sua casa, pois sabia que ele seria criado, com o mesmo amor dedicado à Marina. Com voz trêmula e abafada, José Paulo levantou-se do banco, demonstrando nervosismo e disse: - Meu Deus! Por que sua mãe não me contou na época? Tudo isto poderia ter sido evitado. Eu a teria levado a uma clínica para tirar a criança. Raquel ficou boquiaberta. Não estava reconhecendo o homem que acabara de dizer-lhe que amava Henrique. - Nossa! O que estou dizendo?! É do meu filho que estou falando! José Paulo sentou-se e chorou. Um turbilhão de pensamentos invadiu a sua mente naquele momento. Raquel, aliviada, mas sem ação, chorou também. Muito emocionada disse: - O Henrique é meu irmão, ele poderá salvar a vida de minha mãe. E isso é o que importa agora. José Paulo se recompôs e disse: - Por muito tempo fiquei preocupado, tinha medo que Rita descobrisse o que ocorrera entre mim e sua mãe. Quando ela foi embora, senti-me aliviado e prometi a mim mesmo que nunca mais trairia minha esposa. Nunca contamos a Henrique a verdade sobre a chegada dele em nossas vidas. - Minha mãe também nunca nos contou essa história. Meu pai morreu sem saber, e eu só soube há poucos meses. Mas o que importa agora é que ela está muito debilitada, está fazendo quimioterapia e precisa de um transplante para ser curada. Eu confio muito em Deus e tenho certeza de que conseguiremos um doador e que ela ficará curada. Por alguns instantes, Raquel silenciou-se e enxugou as lágrimas que teimavam em escorrer-lhe pelo rosto. Suspirou profundamente e, num misto de alívio e dor, continuou o diálogo: - Prometi a dona Rosana que hoje voltaria a sua casa para continuar a conversa iniciada com dona Rita. Mas agora que já sabe de tudo, é melhor que seja o senhor a contar-lhe o restante da história. José Paulo se comprometeu a pensar no seu pedido: - Você entende que é uma situação muito delicada. Preciso de tempo. Não sei como dizer toda a verdade sem magoar minha família. Mas, de qualquer forma, me comprometo a ajudar sua mãe no que for possível. José Paulo deixou Raquel numa parada de ônibus na Avenida T-9. Antes que ela descesse do carro, ele informou-lhe que no final da tarde iriam buscar Henrique no aeroporto. Ela pediu-lhe para estar na recepção do irmão, mas ele não consentiu: - As coisas não se resolvem assim. Tenha calma! Uma coisa de cada vez. Raquel seguiu direto para o hospital. Dona Luiza receberia alta naquela manhã. Ao entrar no ônibus, lembrou-se de que havia combinado com Rubens que ele a pegaria às 10h na sua casa. Ligou para o amigo que já estava a caminho. Desculpou-se e disse-lhe que se encontrariam no hospital onde ela lhe explicaria o que ocorrera. Quando Raquel chegou ao hospital, Rubens já a esperava, ansioso. Percebeu que ela estava mais triste e muito abatida. Mas, ainda assim, muito bonita. Nem mesmo as marcas de uma noite mal dormida e do sofrimento dos últimos meses conseguiam ofuscar aquele rosto naturalmente lindo. - O que houve, Raquel? De onde você está vindo? -Da casa dos Albuquerque. Durante toda a noite fiquei pensando em como continuar aquela conversa com dona Rita. Então achei melhor contar tudo para o seu José Paulo. Acha que fiz besteira? - Acho que tomou a decisão acertada. Vamos ver a sua mãe. O médico já se encontrava no quarto. Mesmo muito debilitada, dona Luiza iria aguardar em casa o resultado dos exames dos doadores espontâneos. Assim que tivesse alguma novidade, o hospital entraria em contato com eles. No caminho para casa, Raquel contou à mãe a conversa que tivera com o senhor José Paulo, há poucas horas. Bastante envergonhada, dona Luiza pediu perdão à filha por expô-la a situações tão constrangedoras. Chorou baixinho e não disse mais nada até chegar em casa, onde encontrou dona Celeste, que viera de Brasília especialmente para visitá-la. Ao ver a ex-patroa, dona Luiza sorriu. Naquele momento, aquela visita representava um pouco de alívio para tamanho sofrimento. No aeroporto, a recepção de Henrique foi calorosa, com abraços fraternos e muita alegria. Porém, no trajeto para casa, o clima era um tanto tenso. José Paulo, Rita e Rosana, muito nervosos, estavam bastante calados, só Henrique falava. Ao chegarem em casa, Henrique, eufórico, começou a desfazer suas malas e a distribuir as lembranças que trouxera da viagem, quando Rita e Rosana o interromperam, chamando-o ao escritório: - Henrique, meu filho! – chamou Rita. – Venha cá, por favor! Precisamos conversar com você. - O que está acontecendo? – Perguntou o rapaz percebendo, só naquele momento, o nervosismo da família. Dona Rita, apoiada pelo marido e pela irmã, começou: - Meu filho, primeiramente, quero te pedir perdão! Temos uma revelação a fazer-lhe e espero que nos entenda. - Do que a senhora está falando, mãe?- Perguntou Henrique procurando entender o que estava acontecendo. Dona Rita não conseguia falar, pois chorava muito. - Mãe, fala logo! Estou ficando muito preocupado. O que está acontecendo? Dona Rita buscou forças e, entre soluços, contou-lhe que ele não era seu filho biológico. Henrique, levando as mãos à cabeça, olhou para a mãe e disse: - O que a senhora está me dizendo? Que loucura! - Meu filho, nós nunca tivemos informação alguma sobre sua mãe biológica. Só agora, por uma fatalidade, ela apareceu. Num ímpeto, Henrique se jogou nos braços da mãe. - Mãe, eu não acredito nisso. - E apontando para si mesmo disse - Já sou um homem! Por que isso agora? Olhem o que vocês estão fazendo comigo! Rosana tentando acalmar Henrique disse-lhe: - Meu bem, escute! Nós amamos você e nada poderá mudar isto. - Mas, tia, o que vocês estão querendo que eu faça? Que eu apague toda minha história? - Henrique, ninguém está te pedindo para esquecer que a Rita e o José Paulo são seus pais, muito menos para você abandoná-los. Mas queremos que aceite que tem uma mãe biológica que, neste momento, está precisando muito de você. Vamos fazer assim, hoje você descansa e amanhã iremos até a casa dela para se conhecerem. - Quem é essa mulher? – Perguntou Henrique. - O nome dela é Luiza, meu filho. – Respondeu Rita. – Trabalhou em nossa casa por um tempo cuidando de sua irmã. - Como vocês souberam disso? - A sua filha nos procurou. - Então, tenho também outra irmã? - Sim, o nome dela é Raquel. E está ansiosa para conhecê-lo. – Respondeu Rosana. Henrique concordou. No dia seguinte, iria conhecer dona Luiza Silva e Raquel. Após o almoço, Raquel aproveitou que a mãe estava em companhia de dona Celeste e foi descansar um pouco. Apesar de estar muito tensa, ao imaginar como seria o encontro com o irmão que já deveria ter chegado, estava também muito cansada. Dormiu durante toda a tarde. Acordou, sobressaltada, com o toque do celular. Era dona Rosana avisando-lhe que no dia seguinte iriam à sua casa. Raquel, eufórica, correu para dar a notícia à mãe. Dona Celeste, que já se despedia de Dona Luiza, apertou-lhe as mãos, num gesto de apoio: - Está vendo, Luiza, vai dar tudo certo. A mãe pediu a Raquel que providenciasse a arrumação da casa. Queria receber o filho num ambiente agradável, limpo. Eles não tinham luxo na casa da tia Zilda, mas eram asseados. Dona Celeste fez algumas orações com dona Luiza e foi embora. Não queria viajar tarde da noite. No dia seguinte, dona Luiza levantou-se mais cedo que de costume. A visita da família Albuquerque era pura magia! Rever dona Rita, José Paulo e Marina, conhecer o filho Henrique significava viver momentos de muita emoção, uma mistura de felicidade e de dor. Bem mais disposta tomou banho, amarrou seu lenço à cabeça, passou o perfume que ganhara de Rubens no Natal, e pôs o vestido colorido, que Raquel comprou para que ela usasse quando fosse ao hospital. Deitou-se novamente e, enquanto aguardava as visitas, foi tomada por uma ansiedade de adolescente. Era o momento do encontro. Conheceria o filho: - Deus está me dando uma chance! Para ela, a sua doença tinha sabor de punição por ter abandonado o filho no passado. Era a oportunidade de se redimir. Quando a família Albuquerque chegou, Raquel os recepcionou com um café feito pela tia Zilda. Rita e Rosana foram as primeiras a irem ao quarto de dona Luiza. A conversa foi tranquila. Dona Rita queria ouvir de Luiza se realmente aquela história era verdadeira. Ela confirmou tudo, menos a paternidade do rapaz. Raquel havia pedido à mãe que não lhe contasse esse fato. Chegou a vez de Henrique. Dona Luiza ficou emocionada ao ver o filho. Como parecia com o pai! Era mesmo muito bonito. Naquele momento não pôde conter as lágrimas; chorou por não tê-lo visto crescer. Já era um homem feito. Ele não demonstrou nenhuma reação. Sentou-se à beira da sua cama para ouvi-la. Então, dona Luiza contou-lhe sobre a gravidez, o parto, a necessidade de deixá-lo na porta dos Albuquerque, sua ida para a capital federal, o seu casamento com Otacílio Silva, o pai de Raquel e, finalmente, sobre a sua doença. A conversa durou mais de duas horas. Atordoado com tantas surpresas, Henrique nem se lembrou de questionar a mãe sobre a sua paternidade e, como ela já havia prometido a Raquel, também não lhe disse nada. Após a conversa, mãe e filho dirigiram-se à sala de mãos dadas. Aliviada, dona Luiza disse-lhes que Henrique já sabia de toda a verdade. Desde a descoberta da doença de dona Luiza, aquele era o dia mais feliz da sua vida e da vida de Raquel. Estavam recuperando naquele momento parte de um passado mal resolvido. Antes de partirem, Henrique combinou com Raquel de irem mais tarde ao hospital, falar com o doutor Renato. No fim da tarde, como combinado, Raquel encontrou-se com Henrique no hospital. Embora fosse folga do médico naquele dia, ele se prontificou a atendê-los. Depois de ouvir o que o médico disse sobre a evolução da doença de sua mãe, Henrique disse a doutor Renato que gostaria de fazer os exames o mais rápido possível, assim que passassem as festas de fim de ano. Henrique levou Raquel para casa e acabou fazendo uma nova visita a dona Luiza. Foi uma visita rápida, mas ela pôde ouvir do próprio filho que ele faria os exames e, se pudesse, seria seu doador. Na manhã do dia 30, Raquel não acordou bem. Algo a incomodava, mas ela não sabia bem o que era. Somente após uma ligação de Paulo César convidando-a para festejar o réveillon no dia seguinte, é que se lembrou: 30 de dezembro era o dia do aniversário de seu pai. Então, Raquel foi a uma capela, próxima de seu bairro e rezou: - Senhor Jesus, hoje meu querido pai completaria 45 anos. Sei que aí no céu há uma imensa festa para comemorar este dia, mas ele tem feito muita falta aqui. O senhor sabe o que eu tenho passado, o quanto minha mãe tem sofrido. Se o meu pai estivesse aqui comigo seria mais fácil enfrentar essa situação. Apesar de saber que temos de viver em conformidade com a Tua vontade, Ó, Pai, ouça a minha prece: não leve minha mãe, ela é a única coisa que tenho na vida. Faça com que meu irmão seja possa salvar a vida dela. Senhor, para que eu possa rir novamente e o meu coração se encha de alegria, cure minha mãe. Amém!

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